A Casa dos Espíritos - Isabel Allende

“Quanto tempo vive o homem, afinal?

Vinte mil anos ou um só?

Vive uma semana ou vários séculos?

Por quanto tempo morre o homem?

O que significa para sempre?”

                                                       Pablo Neruda

         Rosa del Valle era uma mulher belíssima, com qualquer coisa de sobrenatural. Cortejada por muitos, ficou noiva de Estebán Trueba. Ele foi trabalhar em uma mina distante, buscando se tornar um homem rico, quando então voltaria para se casar. Mas ocorreu uma fatalidade e o casamento não foi possível.

    Muitos anos após o ocorrido, Estebán retorna das minas sem conseguir seu objetivo e, para não precisar conviver com sua irmã Férula e sua mãe doente, e arranjar um emprego medíocre, decide ir até uma propriedade da família, abandonada há anos, reivindicar seu direito de proprietário. Consegue seu intento e reergue a fazenda Las Tres Marías, tornando-se um homem muito rico e influente.

    Por ocasião da morte de sua mãe, ele retorna à cidade depois de muitos anos e decide se casar. É então que reencontra Clara del Valle, irmã mais nova de Rosa. A última vez em que se encontraram ela era uma menina, mas agora, já uma mulher adulta, desperta o interesse de Estebán, com quem aceita se casar. Os dois passam a morar num casarão de um bairro luxuoso na cidade e nas férias vão para a fazenda. Férula passa a morar com eles após o casamento e ajuda Clara com os cuidados da casa e dos filhos: Blanca e os gêmeos Jaime e Nicolás.

        A autora aqui nos apresenta duas famílias: a família Del Valle e a família Trueba, que depois se tornam uma só. Acompanhamos no decorrer de três gerações, histórias que se sucedem, muitas vezes de maneira entrelaçada em um ciclo. Os personagens são bem construídos, capazes de despertar no leitor os mais diversos sentimentos.

Clara com sua sensibilidade e clarividência em constante contato com o mundo espiritual, alterna entre períodos de ausência total da realidade e períodos em que se transforma em uma mulher prática e forte, capaz de organizar a família e mantê-la unida apesar de qualquer coisa. Estebán é um homem extremamente rígido em comportamento e ideias, detentor de uma ira irracional quando é contrariado. Tem um grande talento para os negócios e é apaixonado por política. Blanca, Nicolás e Jaime não poderiam ser mais diferentes entre si. Seus temperamentos mesclam rebeldia, altruísmo, simplicidade, passividade e inconsequência. E como terceira geração temos Alba, filha de Blanca e do revolucionário Pedro Terceiro García. Uma mulher forte, que herdou um pouco de cada um: teimosia, praticidade, coragem, rebeldia, simplicidade, altruísmo...

     Como plano de fundo temos a disputa política do país. A autora não informa onde se passa a história, mas existem semelhanças com o que ocorreu no Chile pouco antes do lançamento do livro em 1982. Em 1973, houve um golpe militar no Chile depondo o então presidente Salvador Allende que era primo-irmão do pai da autora Isabel Allende.

   No romance, após muitos anos de manutenção da direita no poder através do controle do voto dos trabalhadores por coação, a esquerda vence uma eleição e começa um novo governo. Apesar de a vontade de governar ser grande, a maioria das pessoas colocadas no poder para trabalhar com o novo governo eram totalmente despreparadas e em pouco tempo se atrapalham tomando medidas desastradas que complicam a vida dos cidadãos cada vez mais. Pouco depois, com o apoio direita, ocorre um golpe militar e é então que tudo desmorona. Violência, ignorância, perseguição e muita alienação da realidade levam o país quase à ruína.

     Para quem já leu Cem Anos de Solidão, identificará algumas semelhanças nos personagens e no realismo mágico. Além disso, Isabel Allende se baseou na trajetória da própria família para escrever e o resultado foi um romance sensível(com um alguns alívios cômicos) e ao mesmo tempo forte, trazendo discursos duros, provenientes de mentes fechadas e ignorantes da época e muita violência. Histórias que ouvimos por aí até nos dias de hoje... Ela nos mostra que, de uma forma ou de outra a vida de todos nós é como é, por um motivo. Podemos mudar algumas coisas, outras não. Mas por mais que tudo pareça confuso e injusto, quando adquirimos uma ampla visão de todas as peças devidamente encaixadas, percebemos que tudo faz parte de um desenho maior e harmonioso onde cada peça tem seu propósito.

        Em tempo, existe uma adaptação para o cinema lançada em 1993. O filme é muito bom, mas para funcionar na tela grande precisou deixar de fora muitas coisas importantes e modificar outras. Então, mesmo que já tenham assistido ao filme, recomendo que leiam o livro. A intensidade e completude da obra escrita faz toda a diferença!

“Desconfio de que tudo que aconteceu não seja fortuito, mas que corresponda a um destino traçado antes de meu nascimento e que Esteban García seja parte desse desenho. É um traço rude e torcido, mas nenhuma pincelada é inútil.”

“...a memória é frágil, e o transcurso de uma vida, muito breve, e tudo acontece tão depressa que não conseguimos ver a relação entre os acontecimentos, não podemos medir a consequência dos atos, acreditamos na ficção do tempo, no presente, no passado e no futuro, mas também pode ser que tudo aconteça simultaneamente...”

         Boas leituras!!