Feliz Aniversário - Clarice Lispector

    Dona Anita está comemorando 89 anos de vida. Tudo está pronto na casa de Zilda, sua filha, para a festa começar. Logo chegam os primeiros parentes, uma de suas noras com os filhos, o marido não foi por causa de desavenças passadas. Ela estava ali apenas por obrigação. Logo depois vem outra nora com os filhos e vão chegando os demais. A aniversariante apenas observa tudo aquilo com um ar distante, já não é mais tão lúcida. Por algumas horas tentarão conviver entre si, como uma família.

    Reuniões familiares são eventos um tanto quanto complicados às vezes. Está tudo aparentemente normal, quando a autora nos transporta para dentro da mente dos personagens. Estão todos lá se esforçando para manter as aparências entre si, mas em suas mentes um mundo vasto e complexo se desenrola. Sentimentos conflituosos, opiniões divergentes, pessoas lidando com seus passados; silenciosamente reprovam uns aos outros, se angustiando por serem obrigados a conviverem por mais um ano. Zilda, a única filha mulher se ressente de ter sido deixada para cuidar da mãe sozinha, sem poder contar com a ajuda de seus irmãos. Uma das noras, se vê pensando em um segredo, não sabe se o revela ou não, as demais noras(a de Olaria e a de Ipanema) não se dão bem e ficam se evitando ao longo da festa. José, um dos filhos, tenta fazer as vezes de seu falecido irmão mais velho, Jongas, o favorito da mãe, mas sem obter muito sucesso.

    Todos orbitam ao redor da matriarca da família, que, apesar da aparência frágil e alheia também esconde um mundo de pensamentos e sentimentos que ninguém mais se dá conta. Em um lampejo de lucidez conhecemos uma mulher rígida, que comandou a família e o lar com eficiência e austeridade, não dando muita abertura para os filhos, que ainda se ressentem por isso, principalmente por sempre se lembrarem de sua predileção pelo mais velho. Ela julgava a todos e muitas vezes não continha as críticas mais ásperas aos filhos e noras, bem como a seus netos e bisnetos enquanto os via interagir naquela sala; pessoas que dona Anita julgava fúteis, sem vigor, sem força moral para tocar a vida como ela havia feito em seu casamento. Tudo isso a exasperava em silêncio. E mesmo assim ali estava ela, assentada na cabeceira da mesa, no meio daquela bagunça e tentativa sem graça e frustrada de seus parentes de fazerem parecer que tudo estava indo bem.

    Acho que todos temos essas questões em comum, a vida é muito curta para nos preocuparmos, vamos deixando que tudo se resolva sozinho e ao final, nos pegamos rodeados por pessoas que estão ali para nos ver apenas por mais um ano. Não se importam de verdade e cada um está ansioso para acabar logo com aquele momento incômodo, preocupados com suas próprias vidas e atividades; mais um ano de obrigação cumprida, agora só no ano que vem. Será? Em um momento de observação e reflexão podemos perceber como tudo passa num instante e que no fim, nada mais importa, ficamos assentados na cabeceira da mesa por mais um ano aguardando e a sós com nossos pensamentos. A família se reunirá então mais uma vez em frente ao bolo aceso, até que não haja mais o elo que os une e cada um siga com suas vidas, apenas aguardando e formando um novo núcleo familiar igual ao que se sentiram aliviadas por “escapar”, um ciclo que sempre se renova.

    Conheci este conto por meio de uma indicação e decidi arriscar. Até então eu tinha medo de ler Clarice Lispector, a impressão que dava é que seria muito complexo, mas acho que foi uma excelente ideia começar com um conto, algo mais curto. Publicado em 1960, a autora nos traz de cara uma dinâmica de família de gente como a gente. Ela não se preocupa em dar maiores explicações sobre a vida dos personagens, apenas nos apresenta um recorte da vida cotidiana que, por si só, já é capaz de nos fazer passar um bom tempo pensando. Recomendo muito a vocês que conheçam.


        Boas leituras!!




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